14/02/2018

LIÇÃO PARA POMBINHOS: O DINHEIRO NÃO TRAZ FELICIDADE.



Muitos saberão, mas convém esclarecer os mais incautos: é verdade que alguns futebolistas ganham dinheiro ao mesmo ritmo e nas mesmas quantidades como quem bebe 5 litros de água por dia vai à casa de banho urinar. No entanto, a maioria dos jogadores de futebol ganha o suficiente para uma vida normal, sem Ferraris, sem mansões nas arribas do Algarve, sem apartamentos em cada uma das capitais europeias e sem férias pagas no Dubai pelo xeque. Eu sou um desses "desgraçados" que faz o que gosta e ganha o salário de um trabalhador normal. Sim, ou achavam que ganhava pouco menos que o CR7? Se ganhasse isso tudo, ainda estava a jogar aos 41 anos porquê?!

Esta nota introdutória serviu para vos situar na conjuntura desta história que poderia parecer à primeira vista uma coisa bizarra: futebolistas a falar do Euromilhões.

Pois bem, ontem havia jackpot de 138.000.000€ e a conversa no balneário após o treino era precisamente o que cada um de nós faria com esse dinheiro todo. A maioria alinhava na opção mais regrada: garantir o bem estar da família próxima, comprar casa e carro mas sem cair na estupidez e depois pegar na maior parte da quantia e pôr a render juros (prazo ou à ordem não interessa, pois percebeu-se que por muito pequena que fosse a taxa de juro o retorno dava para se viver o dia a dia que nem heróis), fazendo uma vida de relax.

Eis quando o Lopes, nosso centro-campista mais criativo, diz algo que lançou a discussão: "Eu não precisava de 138.000.000€ (eita número grande pa' caraças!). Se me dessem um milhão, deixava já de jogar e fazia o resto da minha vida de papo para o ar, a fazer apenas e só o que eu quisesse."



Ficou tudo a olhar para ele. Estamos a falar de nove dígitos e o gajo contenta-se com uma gorjeta digna da tasca da esquina? E ainda afirma que com isso tinha a vida feita? A gozação começou após um ligeiro silêncio de surpresa, pois ninguém acreditava que tal fosse possível. E depois de ouvir os previsíveis "o Lopes só come alface, por isso vive bem assim" e "o Lopes como já andou de Metro em Lisboa sente-se um homem realizado" e ainda "o Lopes desde que viu o Túnel do Marquês, já nem quer ir à Ilha da Madeira porque dizem que o túnel é mais bonito", eis que o Lopes diz:

"Mas vocês já fizeram as contas para saber se daqui até à reforma ganham 1.000.000€? É que na verdade não ganham..." 

Novo silêncio... E depois, foi tudo a sacar da calculadora, para perceber quantos ordenados anuais eram precisos para fazer 1.000.000€. Entre todos, percebemos que demorariamos entre 30 a 45 anos a conseguí-lo, com os ordenados actuais. Assim se abria a caixa de Pandora: não era preciso uma fortuna imensa para se poder viver sem fazer a ponta de corno!!! Era só preciso que nos saísse o Milhão ou uma cautela da Lotaria e depois continuar a viver a nossa vida como até hoje, sem luxos! Estávamos tão felizes... até falar o Joaquim, o roupeiro: "Vocês estão redondamente enganados. A vida é mais dura do que vocês pensam, e nunca poderiam viver de papo para o ar com um mísero prémio de 1.000.000€!" Virámo-nos todos para o Joaquim e começámos todos a esgrimir argumentos. Eu, talvez por ser o capitão de equipa, acabei por tomar as rédeas do discurso de quem defendia que sim, era possível mandriar o resto da vida com 1.000.000€.



- Oh Quim, eu também não acreditava, mas o Lopes obrigou-me a fazer as contas!
- Estão mal feitas!
- Não estão nada! Repara: se dividires o 1.000.000€ pelo teu rendimento anual, terás o número de anos que precisarias de trabalhar ainda, e isso ultrapassa claramente a nossa reforma.
- Mas as despesas não serão sempre as mesmas!
- É verdade, mas mesmo com os juros a uma bosta como estão actualmente, se metermos 1.000.000 a prazo num banco, com uma taxa anual de 3% temos 30.000 € em retorno. Muitos não têm esse rendimento anual.
- Olha lá uma coisa... começa logo com o facto que um prémio de 1.000.000€ não te dá 1.000.000€, mas sim 750.000€ graças ao IRS sobre os prémios de jogo.

Era a primeira chapada bem assente no nosso sonho, que nos fazia acordar para a realidade. A segunda foi logo de seguida:

- Depois, as vossas mulheres iriam logo exigir uma casa nova. Logo! No imediato!
- Eh, calma lá!! Vamos lá esclarecer as coisas!
- Strik3r, era a primeira coisa que a tua mulher diria: estoirar tudo numa vivenda T4!
- Nanana! Isso não pode ser! Então e a manutenção, com os rendimentos actuais?! E o desgaste do carro a vir para os treinos lá de Trás do Sol Posto para aqui? Quanto muito, pagava a actual hipoteca!
- Não! Casa NOVA! Se não fosse vivenda T4, era apartamento T3, mas casa NOVA!
- Não pode! Ela iria perceber que era uma má decisão!
- Como convencerias tu uma mulher que a ideia dela era uma má decisão?
- Simples, ia colocar à consideração dela: ou tinha casa nova e esfalfa-se a trabalhar como agora para a manter, ou ficava na nossa linda, doce, velha e pequena casa, mas com vida de raínha a não fazer pevide!

Nesse momento, o nosso preparador físico Fabinho toca-me no ombro e diz as palavras mais sábias que ouvi até hoje com sotaque brasileiro:

"Cara, deixa disso. Dinheiro não traz felicidade. Você ainda nem ganhou nada e já está discutindo com sua mulher. E ela nem está aqui, viu?!?!"


Em suma, o dinheiro é a principal razão para os divórcios, porque se não há guito, o pessoal não come, fica irritado, discute e pumba, divórcio. Se há muito, não sabem no que querem gastar, depois cada um quer gastar nas suas coisas, discutem e pumba, divórcio litigioso com a maquía apreendida até ordem do tribunal. Se há o suficiente para uma vida regrada, fofinha, sem maluquices, luxos e viagens malucas, com trabalho e sacrifício, mas se sonha em ter isso tudo sem fazer nenhum e tornarmo-nos num parasita da sociedade sem a parte da delinquência, estamos na barra do tribunal para nos divorciarmos em litigioso e o nosso cônjuge nem sequer sabe disso ainda!

A vida é dura. Há sempre alguém a estragar os nossos sonhos!



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