06/02/2018

O ROCK NÃO ESTÁ MORTO, MAS HÁ QUEM QUEIRA A MORTE DO ROCK!

  Foto de Jeff Yeager - metallica.com

Foram 8 anos a separar as minhas duas últimas visitas a um concerto dos Metallica. Depois da World Magnetic Tour de 2010, um novo álbum e a minha inevitável peregrinação ao MEO Arena, para o concerto que acabava com o maior hiato de concertos dos Mestres do Metal ao nosso país, pois a última visita tinha sido em 2012, na Tour de comemoração dos 20 anos do comummente conhecido como "Black Album".

Do concerto, tenho a dizer que de 2010 para cá o antigamente denominado Pavilhão Atlântico já mudou de nome mais duas vezes, mas a acústica mantém-se sofrível, com a diferença que para este, soube entretanto, baixaram o volume dos instrumentos. Bem me parecia. Para evitar que os ouvidos da malta sofressem com a ressonância, perdemos os "baixos" a bater na barriga e parecia que estávamos longe, ou então fora do pavilhão com eles a tocar lá dentro. Não sei se ficámos a ganhar com a situação, honestamente, porque já estava a contar com a ressonância (que se manteve) e fiquei desmoralizado com a falta daquele primeiro impacto que normalmente Metallica provoca quando entram em acção! Era suposto a gravação do início de "Hardwired" terminar e levarmos com o som ao estilo de uma rajada de vento que nos desmancha o cabelo.

 Foto de Brett Murray - metallica.com


Isso não aconteceu e foi pena, porque se o som estivesse à altura tinha sido um concerto memorável. Assim, foi só muito bom! Alinhamento bem escalado, com aposta forte em "Hardwired... To Self Destruct" e nos primeiros cinco álbuns. Foram duas horas e meia numa viagem pelo melhor que os Metallica fizeram na sua carreira. Começaram com dose dupla de "Hardwired...", terminaram com dose dupla de "Metallica". Depois, 15 minutos a despedir dos fãs, algo que a banda sempre teve o cuidado de fazer: de alimentar essa empatia com quem os segue e tudo faz para estar presente nos seus concertos.


Um dos momentos inesquecíveis foi a homenagem feita ao Zé Pedro por Robert Trujillo e Kirk Hammet. O baixista começou a tentar cantar em português, mas não precisou de muito esforço pois rapidamente a sua voz foi engolida pelo retorno do público, e aí libertou-se e cantou com emoção uma coisa parecida com a letra original. Foi um momento tão surpreendente como comovente.

Foto de Jeff Yeager - metallica.com


Tenha sido um momento de espectáculo racionalmente preparado ou uma homenagem sentida a um dos tipos da família do rock, este facto colocou os Metallica como notícia no país. Rádios, TV's e jornais, ninguém ficou indiferente. E todo este fuzuê levou à inevitável reflexão: afinal, o heavy metal em particular, e o rock em geral, está morto?

Assisti a um concerto num pavilhão cheio com 18 mil almas rockeiras, literalmente dos 8 aos 80 anos de idade. Pearl Jam esgotou em menos de nada, Iron Maiden está quase esgotado, e este ano ainda há Muse, Queens of the Stone Age, Megadeth, Machine Head, 30 Seconds to Mars, Marilyn Manson, Ozzy Osbourne, Stone Sour e até U2!! Este é o panorama de concertos rock e metal de 2018, num país em que não há uma única rádio rock (ou que passe rock em horário nobre) de abrangência nacional.

 Foto de Brett Murray - metallica.com

O Rock, evidentemente, não está morto. Mas a pergunta impõe-se: está vivo até quando? Estas bandas que enumerei são constituídas por quarentões, cinquentões ou mais velhos ainda, que não viverão e muito menos tocarão para sempre. E se nem estes monstros do rock têm espaço no FM para tocar, como poderão os potenciais novos valores de verdadeira música meter a cabeça de fora e gritar "estou aqui" por entre todo o plástico latino e kizombeiro que navega nas nossas rádios?

Apesar de algumas surpresas interessantes, os Grammys premiaram Leonard Cohen como artista rock, numa imbecilidade só superada pela nomeação de Beyoncé no ano passado para a mesma categoria. A cerimónia oficial, transmitida para todo o mundo, foi um desfilar de triste mediania onde impera o hip-hop, longe dos tempos áureos onde pontificavam Fugees e Eminem, e se glorifica o pimba com "Despacito". Coitado do Luis Fonsi que não tem culpa e aproveita para esfregar as mãos de contente, mas quem está certamente muito chateado com tudo isto serão Lucenzo, Rui Bandeira, Toy e outros que vivem da música popular e não tiveram o mesmo reconhecimento sequer para os Grammys Latinos, quanto mais para os "mundiais". Foi a cerimónia onde Ed Sheeran foi nomeado para apenas uma categoria. É certo que o último não é dos melhores trabalhos do cantor pop, mas o pior single de Ed Sheeran vale mais musicalmente que qualquer êxito de Rihanna. Os Nothing More ou os Foo Fighters, com duas das melhores músicas do ano a concurso, não tiveram direito sequer a uma pequena participação na cerimónia. Nada! Se o rock não passa nas cerimónias mais importantes da indústria da música, onde pode passar?!

Foto de Jeff Yeager - metallica.com

A Rádio Comercial e a RFM monopolizam o FM de Lisboa, com transmissores de alta potência e repetidores de sinal espalhados pela cidade, que permite que as suas emissões sejam ouvidas até nos túneis. Fizeram muito alarido de os Metallica terem cantado Xutos, porque interessa, sabem que venderia publicidade, sabem que geraria audiência, mas não se dignaram a dizer sequer "hoje à noite, os Metallica tocam no Altice Arena" no dia do concerto. A Super FM fechou as transmissões FM por não conseguir angariar publicidade, porque a rádio só passava música de "drogados cabeludos e cheios de tatuagens", como um director comercial de uma empresa afirmou ao Rui Miguel Santos, líder da rádio. A 105.4FM Cascais resiste sabe-se lá como, possivelmente graças à capacidade organizativa de eventos que vão dando para garantir os tão vitais apoios financeiros. Para qualquer um dos dois casos mencionados anteriormente, a audiência de stream ou nos ISP nacionais, que transmitem as rádios nas suas plataformas digitais e boxes de televisão, vale ZERO para angariar publicidade e sponsors de programação.

O rock não está morto, mas parece que o querem matar. Lentamente, como quem aguarda que um velho se apague por falta de comida, porque a realidade é que o rock é inconveniente, é irreverente, é rebelde e foi a peça chave para a consciencialização das sociedades. Não será a kizomba, o kuduro ou o reggaeton que irão por as pessoas a pensar, e não será certamente este hip-hop da moda, o hip-hop das "bitches", das "pieces", das "bullets to the brain" e dos impropérios sem sentido que fará a diferença na luta pelo fim do racismo e segregação racial. Este hip-hop é precisamente o que interessa para que o racismo continue implantado.

 Foto de Brett Murray - metallica.com


É um problema do rock, do metal, mas essencialmente da generalidade da música. Goste-se ou não de Salvador Sobral, em termos musicais, de personalidade ou de postura face ao mundo do espectáculo, tem toda a razão quando diz que a música não é luzes, fogos de artifício e miúdas desnudas. É giro dançar uma parolice qualquer numa festa, e a música de festa também tem o seu lugar nas nossas vidas. Não tem de ser nem deve ser levada ao colo para a apoteose quando no fim se espreme aquilo e nada sai. Mas também é preciso dizer que a música não tem de ser só amor, paixão, desencontros e sofrimento de perda, porque não foi só disso que se fez a história da música. A música também se fez de sonhos, pesadelos, drogas, feitiços, lutas de rua, guerra e um sem fim de outros temas, mas sempre com a melodia que, por si só e retirando a letra, produz emoção nas pessoas.

PS: nem me debrucei sobre a prespectiva das televisões temáticas de música, porque apesar de ainda termos a abrangência musical na VH1, temos uma MTV que não passa música, nem boa nem má...

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