30/11/2006

"TALENTO" OU "NÃO, 'TÁ LENTO"? EIS A QUESTÃO...

O árbitro manda toda a gente embora, que está na hora de seguir com o jogo, pois com esta confusão toda perderam-se já quase 4 minutos de jogo. Parece que finalmente tudo se apronta para o jogo prosseguir, a bola ir para a marca dos 11 metros, eu mandar-lhe uma ginja e pronto, resolver a questão de um a vez por todas. Se fosse assim tão fácil…

Sinto-me desinspirado. As coisas não me saem bem, a criatividade tirou férias e o patrão decidiu pôr a falta de jeito a fazer o seu lugar. Ou seja, as críticas nos jornais são muitas. Apesar de tudo, este até nem foi dos meus piores jogos até ao momento, só que reconheço que é preciso paciência e muita compreensão por parte do “mister” para me deixar em campo quando toquei numa bola pela linha lateral, completamente involuntariamente, quando a mesma já ia sair e era nossa… sem ninguém a importunar-me! Pura matarroanice!!!!

Este penalty será a injecção que preciso, o incentivo para não tremer das pernas quando a bola me chega, para não pensar “F***-se, vou falhar!” quando ainda vou a puxar a perna atrás no remate, para não ficar especado a olhar para o ar à procura dos meus colegas de equipa. Bom, mas reconheço que podia ser pior. Olha se eu fosse… escritor?


Augusto Silva decidiu, como que por artes mágicas, dedicar-se à escrita. Nunca foi muito ligado às questões das Letras, nem tão pouco tinha por hábito ler o jornal. Mas um dia, em jeito de bricadeira, escreveu um pequeno texto para assinalar o décimo aniversário do Clube de Bisca Lambida do Bairro de Inglaterra, orgulhosa e ignorantemente mencionado pelos seus associados como o Lamb Club (devido ao facto de ser um clube, “aportugesado” para “Lambe Clube” e obviamente gozado pelos clubes adversários como o Lambe-Cús). Infelizmente, muito por culpa do avançado estado de degradação etílica dos restantes companheiros, Augusto foi saudado de pé (ou quase) e todos sem excepção disseram que ele tinha jeito para a escrita.

Desde esse dia, e para mal de todos nós, achou que tinha futuro. Decidiu apostar nesse seu dôm recentemente descoberto e compartilhar com o mundo aquilo que os colegas do “Lambe Clube” já sabiam. Num país tão parco em cultura, Augusto Silva seria a sua lufada de ar fresco, imaginando-se desde logo a ser condecorado ao lado de personalidades como Eugénio de Andrade, Sofia de Mello Breyner ou José Saramago.

Durante dias e dias, Augusto escreveu sem parar naquela que ele imaginava como sendo o romance mais original da literatura portuguesa. Ao fim desse tempo todo, contabilizando 6 horas totais de escrita e 2 longos dias (sim, dias e dias podem ser dois dias, ou não??) referentes a um fim de semana no periodo ao fim da tarde, enquanto a RTP faz reposição das séries que deram em horário nobre durante a semana, estava finalmente concluída a obra prima de Augusto Saraiva, o primeiro pseudónimo de Augusto Silva. O título escolhido não podia ser mais ilustrativo: “Raul e Júlia”!

Cheio de confiança, Augusto decidiu levar a sua obra a uma editora, onde a pessoa que o recebeu teve a triste ideia, para mal dos seus pecados, de pedir um pequeno resumo daquilo que iria ler. Então, Augusto explicou: “É uma história amorosa tragicodramática de Raul e Júlia, ele filho do Presidente da Câmara de Viana da Milaneza, ela filha de uma outra família rica e poderosa, em que ambas as duas famílias, e friso «ambas as duas» para reforçar o universo bipolar desenrolador desta trama (n.r.: qualquer que seja o significado disso), não se podem a modos que ver uma à outra, mas “entretantes” os jovens apaixonam-se, têm assim uma cena… prontes… muito escaldante no livro, e depois… bom, depois é melhor ler, porque o final é o melhor! É de ir às lágrimas! Olhe, eu fui! E fui eu que escrevi e fiquei tão comovido, tão comovido, mas tanto tanto, que olhe… até chorei, prontes…”

Incrédula, a senhora da editora ficou com tal cara que nem Augusto Silva ou o seu pseudónimo Augusto Saraiva poderiam descrever pior que eu. Muito a custo, disse:

“Mas… mas… mas… isso é… plágio!...” – ao que Augusto respondeu:

“Olhe, sabe? Sinceramente não sei, porque eu essa parte dos Renascentistas e dos Pós-Modernistas foi sempre uma coisa que não me dei muito bem com ela na escola, percebe? Mas é capaz de ter qualquer coisita disso, sim, de «paranágio», é capaz sim senhora…”

Augusto sentiu-se insultado. Aquela que parecia uma simpática senhora, deveras interessada no seu trabalho, desancou-lhe a moral e o amôr próprio, além de pôr em cheque as suas capacidades de escritôr, acusando-o de ter copiado, imagine-se, o “Romeu e Julieta” de William Shakespeare. E nem o facto de ele ter argumentado que houve alguns “toques”, principalmente ao nível do ambiente da história, que havia ido buscar à obra do inglês como homenagem ao Bairro onde vivia fizeram a senhora baixar o tom de voz e sequer aceitar ler a cópia de “Raul e Júlia”.

No entanto, Augusto não desistiu. Depois que descobriu as maravilhas da Internet, fez o que milhões de escritores frustrados fizeram por esse mundo fora: criou um blog. Assim, não tem que dar satisfações a ninguém e escreve com alegria. Muitos são os que comentam a incentivá-lo pelo facto de expôr de forma tão bonita os seus pensamentos livres face à política externa da mercearia da Dona Antónia, às cagadelas nos passeios na Rua Cidade de Liverpool e, claro, pelos os seus romances originais. Hoje, Augusto sente-se realizado. O Blogger.com não lhe cortou as pernas e reconheceu o seu real valor. Mesmo assim, sofreu um revés muito grande quando uma das suas fontes de inspiração, o Hi5porcas, foi encerrado. Agora sim, Augusto está contente... e o indice cultural da nossa sociedade severamente comprometido...

Mas o seu pensamento e as suas ideias narrativas são, finalmente, livres e estão à mão de todos. E quando assim é, um homem sente-se realmente mais homem!

Fica a promessa: se eu falhar o penalty, crio um blog, onde vou escrever todas as minhas máguas e angústias da carreira, bem como todas as coisas que supostamente me atormentaram neste momento tão delicado…

Bolas, a bola está com um ponto rasgado. Oh! Shôr Árbitro! Esta não está em condições!!!

1 comentário:

Anónimo disse...

Nao me digas que tás a falar do outro, aquele, recentemente acusado de plágio....o do ''resolve-se em tribunal ou à paulada''