30/04/2011

O MONSTRO ADORMECIDO


O tempo tem particularidades engraçadas. Algo ou alguém pode desaparecer e nunca ser esquecido com o tempo, mas algo ou alguém pode desaparecer da mente das pessoas e continuar sempre lá, no mesmo sítio... mas esquecido.


Vamos imaginar uma história absurda. Vamos imaginar que um tio vosso, que pouco conheceram, morreu e como não tinha filhos, vos deixou uma quinta numa terra chamada Sitges, a pouco mais de 40 km de Barcelona. Porreiro, pensam vocês, porque Sitges até é uma zona balnear de grande implementação turística. Vamos imaginar que essa quinta tem uma extensão bastante apreciável, com uns hectares jeitosos. Vamos imaginar que vão lá visitar a quinta e que além da velha casa encontram campos de cultivo, casas de gado e capoeiras... e uma pista de alta velocidade.


A 40 km de Barcelona, na vila turística de Sitges, existe uma quinta a poucos metros da estrada que liga a vila à autoestrada. Nessa quinta está uma autêntica relíquia histórica, esquecida até há bem pouco tempo e abandonada há mais de 60 anos: o Autodromo Nacional de Sitges-Terramar, o terceiro circuito automobilístico permanente mais antigo do Mundo. Estreado em 1923 com pompa e circunstância como um exemplo das capacidades inovadoras da construção com betão, o circuito desde o seu início que se debateu com graves problemas financeiros na sua administração. Isso levou a que logo em 1925 o autódromo ficasse impedido de organizar provas internacionais, devido à penhora das receitas de bilheteira por parte dos empreiteiros que trabalharam na sua contrução, que impossibilitou o pagamento dos prémios prometidos aos vencedores.


O Autódromo de Sitges-Terramar era composto por uma oval com dois quilómetros de extensão e por duas curvas com "banking" a 60º, uma obra impressionante que permitiria em teoria velocidades em curva elevadíssimas, além da particularidade de na recta oposta haver uma ligeira inclinação para a direita, dando à pista uma forma de feijão. Grandes nomes do automobilismo mundial da altura correram na sua inauguração e nos anos seguintes.


Várias são as razões apontadas para o declínio do circuito. Uns apontam os conhecidos problemas financeiros, outros que havia graves falhas na construção (principalmente no ângulo de ataque às curvas inclinadas, que eram demasiado agressivos e susceptiveis de provocar acidentes graves) que tornavam a pista demasiado perigosa, outros ainda que a pista era desinteressante comparada com os novos circuitos que apareciam entretanto, como Monza, Nurburgring, AVUS Berlin e Spa.


Independentemente da razão, a realidade é que o autódromo foi completamente abandonado em 1936, quando rebentou a Guerra Civil Espanhola. Fala-se que terá havido uma prova de motociclísmo no anos 50, mas pouco se sabe sobre o assunto. Ainda nos anos 30 uma família adquiriu os terrenos e por lá fez a sua vida, até hoje. Como qualquer um em sua casa, o que mais desejam é paz, sossego e sopa quente. Logo, todo e qualquer marmanjo desconhecido era recebido até há bem pouco tempo por uns "simpáticos" Rottweiller. Hoje em dia, a pista já é aberta para concentrações de clubes de automóveis clássicos e fala-se há alguns anos numa total reabilitação das zonas mais danificadas (as rectas da meta e oposta, que pelo que me parece foram esburacadas e cortadas de propósito até mesmo para evitar penetras e corridas clandestinas). A realidade é que ao fim de quase 90 anos, sem qualquer tipo de manutenção, restauro ou obra de beneficiência desde a sua inauguração, sujeitos ao calor do Verão e chuva do Inverno, tomara a Pista de Alta Velocitá de Monza estar no mesmo estado de robustez daqueles bankings.


Agora, confessem: digam lá se não gostavam de ter um autódromo só para vocês, estilo um sheik árabe, hein?

NDR: fonte de informação - http://www.circuitsofthepast.nl

1 comentário:

KanKan disse...

Era uma boa maneira de morrer e ninguem saber Lol